A jornalista Letícia Oliveira, 44, passou a ser vítima de ataques de apoiadores de Bolsonaro e agora está movendo uma ação contra o Twitter
Por: Isabela Alves
A jornalista e pesquisadora Letícia Oliveira, 44, teve sua conta banida do Twitter após publicar o artigo ‘Hitlerismo esotérico: a ideologia do brasileiro que tentou matar Cristina Kirchner’ na Ponte Jornalismo. Oliveira monitora ações de grupos de extrema-direita brasileiros que atuam na internet e na vida real.
A publicação foi ao ar em 4 de setembro, poucos dias depois da tentativa de assassinato de Cristina Kirchner, vice-presidente da Argentina. Na ocasião, Fernando André Sabag Montiel, cidadão brasileiro que é filho de pai chileno e mãe argentina, se aproximou com uma pistola e mirou na cabeça da vice-presidente, mas a arma não disparou.
No artigo em questão, a jornalista explica, com base em citações de estudiosos do tema como Nicholas Goodrick-Clarke e Julian Strube, que o “hitlerismo esotérico” surge após o nazismo histórico. Ou seja, é um movimento neonazista do pós-Guerra que utiliza simbologias pelos seus seguidores como o “sol negro”, símbolo este que está tatuado no braço de Montiel.
Durante uma live em 5 de setembro, o streamer Ian Neves em seu canal “Arquivo História Pública” apresentou o artigo de Letícia sem dar os devidos créditos, se referiu a ela pelo pronome masculino e finalizou dizendo que o texto “passa um panão” (gíria que significa “justificar” e “minimizar”) para o nazista.
Nos dois dias seguintes, Letícia passou a ser vítima de ataques de apoiadores de Bolsonaro pelo Twitter e tentou fazer com que Ian se manifestasse sobre a live, exigindo o direito de resposta. Desde então, seus seguidores que passaram a fazer comentários machistas e transfóbicos contra a pesquisadora e contra pessoas que a apoiaram no estudo, como a ativista Pedra Esp.
Ian apagou o vídeo do canal em 7 de setembro e fez um pedido de desculpas após a Ponte publicar um tuíte em apoio a Letícia. Em sua thread, o streamer não explica os motivos de ter declarado em seu vídeo a omissão da autoria do texto, diz que não sabia se tratar de uma autora mulher e voltou a dizer que o texto “relativiza” o nazismo de Fernando, apesar de Ian admitir ter sido “leviano”, porém sem elaborar sobre o que seria tal relativização.
Letícia considerou o pedido de desculpas insuficiente e voltou a reclamar no Twitter. Poucas horas depois, sua conta oficial (@bicicreta) e a conta reserva (@letioliveirajor) foram suspensas. Nesse meio tempo, ela relatou ter recebido mais ataques misóginos no Twitter.
A jornalista moveu uma ação contra o Twitter Brasil e só teve o seu perfil @bicicreta restaurado no dia 27 de setembro. Antes disso, a plataforma afirmou que a conta foi suspensa por violar a regra contra participação em assédio direcionado.
A jornalista usa a rede como meio de trabalho e mantinha ali seu contato exclusivo com outros ativistas antifascistas do resto do mundo.
“Eu acho muito estranho ser denunciada logo após esse caso. Eu já tomei ‘gancho’ do Twitter por responder ataques da Nova Resistência (leia mais abaixo), mas nunca havia sido banida. E nesse caso eu estava sendo claramente atacada, não usei palavrões para me defender, mas me sinto no direito de não ficar calada quando invisibilizam e questionam o meu trabalho que é sério”, disse em entrevista à Ponte.
Fonte: Ponte Jornalismo
Nota da Rede Nacional de Proteção de Jornalistas e Comunicadores sobre o caso
Recebemos com muita preocupação a informação de o Twitter baniu as contas da jornalista e pesquisadora Letícia Oliveira, 44 anos, especializada em monitorar as ações online e na vida real de diferentes grupos de extrema-direita brasileiros.
A ação ocorreu após Letícia publicar o artigo “Hitlerismo esotérico: a ideologia do brasileiro que tentou matar Cristina Kirchner” na Ponte Jornalismo, no dia 4 de setembro, poucos dias depois da tentativa de assassinato da vice-presidente da Argentina, Cristina Kirchner.
Em entrevista à Ponte, Letícia contou que já havia sido suspensa do Twitter, mas nunca banida. Ela usa a ferramenta como meio de trabalho e mantém ali seu contato exclusivo com outros ativistas antifascistas do resto do mundo. O bloqueio de suas contas, além de completamente injustificável, foi claramente pernicioso e prejudicou sua atividade profissional.
Apesar de o banimento já ter sido revertido pela própria plataforma, o caso seguirá sendo acompanhado pela Rede Nacional de Proteção de Jornalistas e Comunicadores e pelas organizações que dela fazem parte, pois representa uma conduta absolutamente danosa à liberdade de expressão, que não deve ser repetida por nenhuma plataforma.
Vivemos um momento especialmente delicado, de aumento nos ataques de diferentes naturezas a jornalistas e comunicadores. A superação desta realidade só será possível com uma atuação concreta e determinada da sociedade civil, do Estado, das plataformas digitais e de todos aqueles comprometidos com a defesa da liberdade de expressão, da democracia e dos direitos humanos.
Imagem: Reprodução Ponte Jornalismo