Atividade reuniu 20 pessoas comunicadoras e jornalistas para debater temas como estratégias de cobertura em territórios favelados e periféricos, comunicação em ano eleitoral e sustentabilidade das organizações
Por Dayse Porto
Fotos: Acervo Rede de Proteção
Durante os dias 3 e 4 de julho, cerca de 20 pessoas comunicadoras e jornalistas da região Sudeste do Brasil se reuniram na cidade do Rio de Janeiro para debater e socializar estratégias de atuação. A formação, promovida pela Rede Nacional de Proteção de Jornalistas e Comunicadores, é a quarta de um ciclo de formações regionais presenciais em 2024 e abordou a cobertura jornalística em territórios favelados e periféricos, abordagens em anos eleitorais, boas práticas em comunicação popular e comunitária e sustentabilidade das organizações de mídia.
Além de conhecer melhor as necessidades dos comunicadores que atuam na região, o objetivo foi explorar, em quatro blocos formativos, maneiras de potencializar o trabalho realizado por coletivos e organizações locais e construir pontes entre as iniciativas. Estiveram presentes representantes da Amazônia Real, Sindicato dos Radialistas do Rio de Janeiro, ÉNóis, Agência Pública, Rede Médica Pelo Direito de Decidir, ITS/Rio, Clube de Blogueiras Negras, Fala Roça, Instituto AzMina, Centro de Imprensa, Assessoria e Rádio (Criar Brasil), Instituto Papo Reto, Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC) e Brasil de Fato, além de profissionais que atuam de forma independente. Confira:
Cobertura em territórios favelados e periféricos
O primeiro dia de formação aconteceu na sede da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), no centro do Rio de Janeiro, e teve início com o bloco formativo conduzido por Sanara Santos, diretora da Énóis – Escola de Jornalismo. Ela destacou a importância do jornalismo como ferramenta de transformação social e começou sua apresentação compartilhando dados de uma pesquisa realizada em Paraisópolis que aponta que os veículos e personagens locais são as principais fontes de informação para a comunidade, contrastando com os grandes veículos de comunicação.
Sanara também abordou a cobertura das chacinas de 2018, associadas aos crimes de maio, discutindo as dificuldades e a sensibilidade necessárias para essa cobertura. Ela mencionou embates com grandes organizações jornalísticas, como a exigência de antecedentes criminais das vítimas, e enfatizou a importância de dar voz aos familiares das vítimas e responsabilizar o Estado por crimes como este.
Em 2023 ocorreram 39 chacinas e a cobertura midiática frequentemente incrimina os assassinados, perpetuando a visão de “bandido bom é bandido morto”. Sanara destacou a dificuldade de provar a inocência das vítimas, tornando o trabalho de apuração ainda mais desafiador.
Sanara concluiu o bloco indicando o Prato Firmeza, um guia gastronômico das periferias paulistanas, que é exemplo de projeto em que a comunidade sente conexão com o veículo de comunicação, pauta o veículo e fortalece a relevância e a eficácia de iniciativas de comunicação comunitária.

Estratégias e desafios na cobertura em ano de eleição
Buba Aguiar, do Fala Akari, facilitou o segundo bloco formativo destacando a necessidade de abordar temas além da segurança pública durante anos eleitorais. Ela apresentou o Fala Akari, um projeto nascido em 2015, e discutiu a segmentação de conteúdos, especialmente aqueles direcionados a mulheres pretas.
Buba abordou o aumento de casos de censura e violência contra comunicadores, fornecendo dados alarmantes sobre a violência contra jornalistas nos últimos anos, com destaque para os ataques do governo Bolsonaro. Em 2020, foram registrados 428 casos de violência, enquanto em 2021, esse número subiu para 438, com o presidente Bolsonaro responsável por 41% dos ataques.
Ela também destacou a violência de gênero online, mencionando que mulheres negras e indígenas são mais afetadas do que as mulheres brancas, a desigualdade de acesso à internet como um desafio no acesso a tecnologias de informação e comunicação e apresentou métodos de busca em redes sociais como Instagram, Facebook e YouTube para o combate à desinformação e verificação de fatos. Ferramentas como Bing, TinEye, Baidu e EXIF Data Viewer foram indicadas para a verificação de imagens, considerando o atual cenário de disseminação de uso de Inteligência Artificial.
Buba enfatizou a importância de modular a linguagem para facilitar o diálogo e compreender a complexidade política dos territórios e destacou a necessidade de leitura do cenário de risco e levantamento dos grupos afetados pela cobertura. A criação de redes de apoio e pontos de monitoramento em situações de risco também foram considerados essenciais.

Fortalecendo comunidades: tecendo a comunicação popular e comunitária nos territórios
O segundo dia de formação foi realizado na sede do Fala Roça, na favela da Rocinha, teve início com o terceiro bloco de formação, sobre comunicação popular e comunitária, conduzido por Luisa Souto e Jéssica Santos, do Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC). Elas iniciaram o momento com a apresentação do histórico de atuação do NPC e abordando a importância de envolver pessoas nas dinâmicas dos territórios, mencionando publicações sobre comunicação popular e comunitária e a rede de comunicadores formados pelo Núcleo.
Em um segundo momento, elas organizaram debates em grupo por eixos temáticos. Em relação às políticas e práticas de cuidado e segurança, foi discutido o uso de celulares e possíveis camadas de proteção digital como forma de proteção pessoal, a prática check-ins e check-outs como estratégias de segurança física, ou seja, manter contato com pontos focais em momentos de chegada e saída de territórios de risco, e a segurança de informação, destacada como um ponto que ainda requer atenção especial.
A discussão sobre engajamento e gestão incluiu a importância das reuniões periódicas e formações específicas, que são fundamentais para manter o engajamento de equipes e públicos, e o programa de “Aliados” da Agência Pública foi citado como modelo de sucesso para o engajamento externo. Além disso, foi enfatizada a necessidade de tornar as produções mais acessíveis e explorar outras plataformas de comunicação para alcançar um público mais amplo e diversificado.
Em relação à cobertura de eleições, as facilitadoras abordaram as limitações das organizações em oferecer apoio explícito a partidos ou candidatos e às implicações da legislação eleitoral.

Sustentabilidade e estratégias de captação de recursos para organizações comunitárias
Michel Silva e Monique Silva lideraram o último bloco da formação, abordando a sustentabilidade das organizações e captação de recursos a partir da experiência do Fala Roça. Surgido da insatisfação de jovens moradores da Rocinha com a forma como a mídia tradicional retratava sua comunidade, o projeto tem como missão promover a cultura, identidade e representatividade favelada sem romantizar as dificuldades, oferecendo uma visão autêntica e respeitosa das realidades locais.
Eles destacaram estratégias de sustentabilidade, como o desenvolvimento de produtos que gerem receita e campanhas de financiamento coletivo para engajar a comunidade e financiar projetos, e a importância de que a escrita de projetos envolva toda a equipe foi um ponto comentado. Foi ressaltada a necessidade de que as financiadoras entenderem que erros fazem parte do processo e que é preciso haver recursos para testar.
Michel e Monique também discutiram a precariedade do acesso à internet nas favelas e territórios periféricos e a falta de jornais impressos em hemerotecas, destacando a diferença na abordagem do território entre jornais hegemônicos e de favela, e a utilização de dados, um outro ponto crucial para a atuação de iniciativas de comunicação. A coleta e o uso de dados são essenciais para criar projetos sustentáveis, como o Mapa Cultural da Rocinha, que aumentam a credibilidade e o alcance da organização. Eles compartilharam a metodologia de campanha de captação desenvolvida no Tech Camp, evento imersivo da Embaixada Americana, como exemplo de utilização de dados para alavancar a sustentabilidade.
Por fim, a transparência nas operações e a prestação de contas são pilares fundamentais e foi sugerida a criação de “páginas de transparência” como forma de apresentar o impacto dos projetos executados. Michel e Monique ressaltaram a importância de uma governança sólida e de processos internos claros para garantir a sustentabilidade e a confiança no trabalho realizado pelas iniciativas de comunicação popular e comunitária.
